quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

AH! O Fla x Flu…

É sempre com muito reverência que eu paro para assistir um Fla-Flu. Trata-se quase de um rito religioso. Merece respeito, atenção total, devoção até. Afinal, é o Clássico dos Clássicos. Aquele considerado o mais charmoso do Brasil. Aquele que surgiu 40 minutos antes do nada*. Antes do despertar das multidões. O Clássico das multidões. Tem clube que até tenta se alçar ao nível da importância desta rivalidade. Tem clube que gostaria de ser “o” arquirrival do Flamengo. Impossível. Em seus 98 anos de idade, é o Fla-Flu que tem a capacidade de fazer o mundo parar de respirar. É o “ai, Jesus”…


E, em 98 anos de história, já se viu de tudo nesse confronto. Por que em 2010 seria diferente? O retrospecto recente dos dois times deixa qualquer torcedor em total alerta. Estamos falando dos dois times que foram indiscutivelmente os destaques do último brasileiro. Os dois times que, no momento do início da partida, tinham 100% de aproveitamento. Dois times, que por tudo isso, estavam em paz com suas torcidas.


Como não dedicar atenção especial à tal partida? Qualquer time cresce contra o Flamengo. Qualquer preleção é mais acalorada quando se tem à frente um jogo contra o Flamengo. Qualquer jogador elencado por um adversário quer ter seu nome na história por ter derrotado o Flamengo e “calado” o Maracanã. Por que o Fluminense seria diferente? Queriam vencer o Mengão, Campeão Brasileiro e endossar sua ótima campanha. Seu ataque eficiente e defesa eficaz lhe davam segurança. “A defesa do Flamengo é uma peneira!” alardeava inequivocamente a imprensa. E, assim, deu-se o primeiro tempo. O que era esperado acontecia. Os jogadores do Flamendo lutavam mas pareciam nem riscar a parede adversária. Pareciam remadores que trabalhavam com força mas, com total descoordenação, remavam um para cada lado e, assim, o barquinho não saía do lugar. Festa tricolor na vazada defesa rubro-negra. No esboço de uma reação (presente daquele que pretendia ser o mais novo carrasco da magnética), seguiu-se um aparente tiro de misericódia. Explosão de pó-e-arroz e gritos de olé ainda na primeira etapa.


Até então tudo previsível. Mas o Fla-Flu é o clássico do imprevisto. E o rubro-negro não é de deixar o estádio quando todo o resto do mundo dá o jogo por perdido. Não arreda o pé até o apito final. Não tira a camisa. Esteja na arquiba do Maracanã ou de olho na tela da TV pelo resto do país, ele vai persistir até o último minuto seja qual for o resultado. Porque isso é torcer. Sangraríamos com o time e engoliríamos a seco o que poderia se transformar numa goleada humilhante. Mas estaríamos lá e gritaríamos até o fim.


Porém (ah, porém…) havia alguém olhando por nós. Alguém com ciência de que algo podia ser feito. Alguém que conhecia seu elenco e sua torcida. Alguém que já tinha seu nome gravado na história de seu seu clube e desse clássico. Alguém que tem o Flamengo no coração e que por isso é diferente de todos os outros na sua posição. Alguém que podia mostrar que técnico ganha jogo: Jorge Luís Andrade da Silva.


Bastou um homem com visão suficiente para mudar o que era preciso, acertar o comando e fazer todos remarem na mesma direção. O Flamengo entrou em campo com 45 minutos de atraso. Mas entrou com o pé no peito do adversário e golpeiou sem piedade. O Império do Amor mostrou sua força novamente. E literalmente. Clássico se vence com amor e com raça. Brigando por cada lance, por toda e cada bola, no meio de quantos adversários se fizer necessário. E um Fla-Flu nunca está vencido por antecipação. O Fluminense pecou por esquecer disso ao subestimar a humildade e perspicácia de Andrade, a força de Adriano, a disposição e oportunismo de Love, a presença de um penta-campeão e a diversidade de um banco pra lá de respeitoso.


O Fla-Flu nunca vai ser um jogo para cumprir tabela. Do nada, temos apresentações antológicas. E domingo foi uma delas. Não posso dizer “eu estava lá” mas posso dizer que vivi para ver uma virada histórica: o 5 x 3 de 31 de janeiro de 2010. Um Fla-Flu para fazer o rubro-negro encher (ainda mais) o peito de orgulho. Não venceu o timeco quase rebaixado. Não chutou cachorro morto. Triunfou sobre o arquirrival, virou a mesa e bateu o time bem estruturado e a defesa inquestionável da temporada. Assim é muito melhor!


Nota: publicado originalmente no Magia Rubro Negra